O sistema digestivo humano abriga mais de 1000 espécies de microrganismos. A nossa flora gastrointestinal natural é inofensiva e muitas vezes benéfica em condições normais, pois auxilia na digestão de alimentos e dificulta a proliferação de bactérias virulentas vindas do exterior. Porém, quando o equilíbrio entre as centenas de microrganismos naturais é rompido, aumenta-se o risco de crescimento descontrolado de micróbios patogênicos, ou seja, capazes de provocar infecção intestinal.
Um dos germes com maior potencial de provocar infecções, em caso de proliferação acima do normal, é a bactéria Clostridium difficile, um organismo capaz de provocar quadros de intensa colite (inflamação da parede do cólon) e diarreia.
Neste artigo vamos falar sobre a infecção pela bactéria Clostridium difficile e a colite pseudomembranosa, uma forma grave de infecção intestinal.
Se você quiser ler sobre outras causas de diarreia infecciosa, acesse os links abaixo:
– VÔMITO E DIARREIA | Gastroenterite viral.
– DIARREIA | Causas e tratamento.
– EXAME PARASITOLÓGICO DE FEZES | Pesquisa de vermes.
O que é o Clostridium difficile
O Clostridium difficile é uma bactéria produtora de toxinas, que costuma estar presente em cerca de 3% dos adultos saudáveis e em até 20% dos pacientes hospitalizados, principalmente naqueles sob tratamento com antibióticos. Nos idosos internados em centros de cuidados prolongados, a taxa de contaminação chega a ser de 50%.
O Clostridium difficile costuma ser inofensivo em pessoas saudáveis, pois a sua proliferação é controlada pelas centenas de outras espécies de bactérias, fungos e protozoários que habitam nosso trato intestinal. Porém, em pessoas que fazem uso repetido ou prolongado de antibióticos, a flora intestinal natural pode sofrer uma grave alteração, favorecendo a proliferação de cepas causadoras de doenças.
O Clostridium difficile não é uma bactéria que ataca diretamente o cólon. O seu problema reside no fato dela ser uma produtora de toxinas irritantes à parede do intestino. Quando a bactéria consegue se multiplicar descontroladamente, uma grande quantidade de toxinas são produzidas, levando à colite (inflamação do cólon) e diarreia profusa.
Pacientes portadores da bactéria C. difficile eliminam a mesma nas fezes sob a forma de esporos, podendo contaminar o ambiente (roupas, objetos, roupa de cama, toalhas…) e pessoas ao redor. Para indivíduos saudáveis, como os familiares, essa contaminação é pouco relevante, pois o sistema imunológico e a flora intestinal são capazes de controlar a infecção. Porém, em um ambiente hospitalar, onde existem muitos idosos debilitados e pessoas com sistema imunológico comprometido, isso pode gerar surtos de colite em vários pacientes internados. Por isso, qualquer paciente identificado como portador de <em>Clostridium difficile</em> deve ser colocado em isolamento de contato até que a bactéria seja erradicada.
Sintomas da colite por Clostridium difficile
A infecção pelo C. difficile pode provocar 4 apresentações clínicas distintas:
1- Portador assintomático: pacientes hospitalizados frequentemente sofrem mudanças na sua flora intestinal e podem passar a ser portadores da bactéria Clostridium difficile. São chamados de carreadores assintomáticos aqueles que possuem a bactéria, eliminam a mesma nas fezes, podendo contaminar o ambiente e outros pacientes, mas não apresentam quaisquer sintomas. Esses pacientes são habitualmente pessoas com sistema imunológico forte, que se curam sozinhos semanas depois de terem retornado para a sua casa.
2- Diarreia por Clostridium difficile: nos pacientes que desenvolvem sintomas, a diarreia é a manifestação clínica mais comum. A colite provocada pelo C. difficile costuma causar uma diarréia aquosa intensa, que pode levar o paciente a ter várias evacuações por dia. Cólicas abdominais, febre baixa e leucocitose (aumento do número de leucócitos no hemograma) são outras manifestações comuns. Febre acima de 38,5ºC é um sinal de gravidade.
A colite por C. difficile costuma estar relacionada à administração recente de antibióticos. O quadro pode iniciar-se ainda durante o tratamento ou até 5 a 10 dias após o fim do(s) antibiótico(s). Em casos raros, a colite por Clostridium difficile pode aparecer somente semanas depois do fim do tratamento.
Os antibióticos mais frequentemente implicados com a proliferação do C. difficile são as fluoroquinolonas (ex: ciprofloxacino, levofloxacino e norfloxacino), clindamicina, cefalosporinas e penicilinas. Porém, praticamente todos os antibióticos, incluindo metronidazol e a vancomicina, que são habitualmente usados no tratamento da Clostridium difficile, podem facilitar o aparecimento desta colite.
3- Colite pseudomembranosa: é um quadro de colite um pouco mais grave que o anterior, com diarreia que pode chegar a 15 evacuações diárias, dores abdominais mais intensas e presença de sangue e pus nas fezes. A sua principal característica é a presença de uma pseudomembrana ao redor da parede do cólon, achado que costuma ser identificado através da colonoscopia (leia: EXAME COLONOSCOPIA).
4- Colite fulminante: uma forma mais grave e, felizmente, mais rara, é a colite fulminante, um quadro de intensa inflamação, com dilatação do cólon e grande risco de perfuração do mesmo.
Fatores de risco para infecção por Clostridium difficile
O uso recente de antibióticos é o mais importante fator de risco para a multiplicação do C. difficile. Quanto maior for o espectro de ação, ou seja, quanto maior for a capacidade do antibiótico de atingir diferentes tipos de bactérias, e quanto mais prolongado for o tempo de tratamento, maior será o risco de colite por C. difficile. Pacientes idosos, hospitalizados ou institucionalizados também apresentam elevado risco de infecção por esta bactéria. Uso crônico de medicamentos que suprimem a acidez gástrica, como omeprazol, pantoprazol e similares, também parece aumentar o risco de contaminação pela bactéria.
É importante destacar que existem outras causas de diarreia causada por antibiótico que não têm relação com o C. difficile. Na verdade, a maioria das pessoas jovens e não hospitalizadas que desenvolvem diarreia após o uso de um determinado antibiótico não tem colite por Clostridium difficile.
Diagnóstico da colite por Clostridium difficile
O diagnóstico da colite por C. difficile deve ser investigado em todo paciente hospitalizado, ou que tenha recebido alta hospitalar recentemente, que desenvolva quadro de diarreia intensa. O uso recente de antibióticos é uma dica importante. Pacientes não hospitalizados que tenham feito uso recente de múltiplos antibióticos também podem desenvolver a infecção.
O diagnóstico é habitualmente feito através da pesquisa de toxinas do C. difficile nas fezes. A presença de toxinas em um paciente com diarreia persistente é suficiente para o diagnóstico.
Nos casos em que a pesquisa de toxinas do C. difficile é negativa, mas a suspeita clínica é muito alta, uma colonoscopia pode ser realizada para investigar a presença de pseudomembranas, achado típico na colite pseudomembranosa.
Tratamento da colite por Clostridium difficile
Ironicamente, o tratamento da infecção pelo Clostridium difficile é feito com antibióticos. Para casos leves a moderados, o metronidazol é o antibiótico de escolha. Nos casos mais graves, a vancomicina, por via oral, deve ser a escolha.
No casos de colite fulminante, com rompimento iminente ou já estabelecido do cólon, o tratamento deve ser cirúrgico, com ressecção da região afetada.
Nos pacientes com infecção recorrente por C. difficile, apesar do tratamento adequado com metronidazol ou vancomicina, algumas alternativas podem ser tentadas. O transplante de fezes é uma técnica nova que consiste na administração de fezes de um doador diretamente para o trato gastrointestinal do paciente, através do colonoscopia ou por uma sonda gastrointestinal. O objetivo desse tratamento é restabelecer a flora intestinal natural, impedindo que o C. difficile volte a se multiplicar.
Seguindo o mesmo raciocínio, uma outra opção é a administração de probióticos, que é um medicamento que contém bactéria se fungos naturais da flora intestinal. Apesar de ser mais simples, os probióticos têm resultados inferiores ao transplante de fezes, principalmente nos casos de colite moderada a grave.
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