Carlos Eduardo Sobral, presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, declarou que a categoria não vai aceitar interferências se o Senado decidir dar seguimento ao impeachment da presidente Dilma Rousseff e houver mudança no governo. "Nós vamos resistir a qualquer tentativa de intimidação e, se for necessário, vamos chamar a população para o lado da Polícia Federal", disse.
Delegado critica, ainda, a falta de autonomia da PF e as dificuldades econômicas e administrativas da instituição.A provável mudança de governo ameaça a atuação da Polícia Federal?
Carlos Eduardo Sobral - Infelizmente, a PF não tem autonomia prevista pela Constituição. Nosso diretor-geral não tem mandato e, portanto, pode ser destituído a qualquer momento. A saída dele implica mudança de mais de 200 delegados que exercem função de chefia. Por isso, uma mudança de governo traz riscos, primeiro pela possibilidade de paralisação do órgão caso haja troca na coordenação e, segundo, porque há vários membros do poder político investigados pela PF – e, evidentemente, quem vai nomear o corpo diretivo da Polícia Federal não escapa desse filtro político.
Os delegados estão com receio?
Carlos Eduardo Sobral - Sim! Há um clima de receio pelo fato de não termos a autonomia garantida na Constituição. Temos receio sim e o cenário político é de intensa instabilidade.
Receio de um eventual governo Temer?Carlos Eduardo Sobral - Não especificamente de um governo Temer, mas do que pode acontecer em um cenário de instabilidade política no qual há uma investigação policial de grande envergadura (Operação Lava Jato) que acaba envolvendo tantos poderes políticos. É evidente que este cenário causa grande apreensão. Não fazemos essa avaliação em relação a partido A, B ou C. Nós temos um contexto em que pessoas com poder político e econômico estão sendo investigadas e, com esta fragilidade, pode ser que ajam de forma a intereferir nas investigações.
Reprodução/Facebook Presidente da Associação de Delegados da PF, Sobral critica a falta de autonomia da instituição
Representantes da categoria têm sido procurados por políticos ou aliados do grupo de Temer?Carlos Eduardo Sobral - Não, nós somos meros espectadores da decisão política e vamos seguir com as investigações. Nosso trabalho é técnico e é evidente que vamos reagir se houver alguma interferência. Não houve procura e, se houvesse, ela não teria resposta.
Para os delegados, Leandro Daiello deve permanecer como diretor-geral da PF com a eventual mudança na Presidência?
Carlos Eduardo Sobral - O que nós defendemos é que o diretor-geral da PF tenha mandato, assim, o risco de interferência é muito menor. Na ausência de mandato, a substituição de um diretor da PF tem que ser muito bem pensada porque qualquer passo em falso causa um atraso, isso é fato. Diante de um cenário como a Lava Jato, em que não podemos ter atraso, não é recomendável uma mudança neste momento.
A Lava Jato está sob ameaça? Como os delegados lidam com essa expectativa?
Carlos Eduardo Sobral - Como nós não temos garantias, toda a instituição está ameaçada. Hoje, temos um problema orçamentário tremedo, nossos investimentos são decrescentes e as dificuldades para fazer investigações são indecentes. Além disso, atualmente temos 500 cargos vagos de delegados e a previsão é de que outros 400 se aposentem em dois ou três anos – ou seja, podemos acabar ficando com metade do efetivo em um futuro próximo. Em relação à Operação, é evidente que, em caso de mudança (nos quadros da PF), isso colocaria em risco a continuidade da investigação. Rovena Rosa/Agência Brasil A PF ainda não foi procurada por Temer, mas está pronta para recusar eventual aproximação
Em que fase se encontra a tramitação da PEC 412, que propõe autonomia financeira e administrativa da Polícia Federal?
Carlos Eduardo Sobral - Atualmente a PEC está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), ainda em fase inicial. Ela foi proposta em 2009 e não avançou. Acreditamos que a CCJ vai aprovar a medida, assim como a Câmara e o Senado que vêm depois, demonstrando que a autonomia de investigação da PF, que foi uma conquista recente, tem que permanecer.
A que período o senhor se refere quando fala na independência investigativa como uma "conquista recente"?
Carlos Eduardo Sobral - A PFcresceu muito de 2002 a 2008, entre o final do governo FHC (PSDB) e o primeiro governo Lula (PT). Depois, passamos a sofrer restrições orçamentárias muito rígidas e mesmo assim conseguimos realizar investigações. Nosso receio agora é que o mundo político interprete que errou ao apoiar a construção de uma Polícia Federal forte e decida retroceder – o que é um risco concreto, já que nossa autonomia não está prevista na Constituição. Com frequência, ouvimos que determinada autoridade política “permitiu” que algo fosse investigado e isso é muito ruim. E se uma outra autoridade que assumir na sequência decidir que não quer permitir a investigação e prejudicar a Polícia Federal?
Os presidentes da Câmara e do Senado estão entre os investigados da Lava Jato, assim como o próprio vice-presidente, que também foi citado em delações. Qual o recado dos delegados sobre estes casos?
Carlos Eduardo Sobral - O nosso recado é de que, independentemente do poder político, do poder econômico, da pessoa suspeita de participar de atos ilícitos, a Polícia Federal vai investigar. Se houver qualquer tentativa de intimidação ou interferência, nós vamos resistir e chamar a população para o lado da Polícia Federal, a fim de evitar que essa instituição sucumba a interesses de terceiros.
E em relação a uma eventual mudança de ministro da Justiça, os delegados têm algum preferido?
Carlos Eduardo Sobral - Não, mas é evidente que o ministro que respeitar a autonomia investigativa e não interferir politicamente na Polícia Federal terá o nosso apoio.
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