Juíza Maria Luiza de Moura Melo Freitas também acompanha caso (Foto: Catarina Costa/G1) |
Denúncias vieram à tona após menina de 10 anos ser internada no HUT. Criança apresentou sintomas de intoxicação e cicatrizes em formato de cruz.
A juíza da 1° Vara da Infância e Juventude de Teresina, Maria Luiza de Moura Melo, recebeu do Conselho Tutelar a denúncia de que mais de 20 crianças teriam sido submetidas a torturas durante rituais no mesmo salão de umbanda que fica a 20 km da cidade de Timon, no Maranhão. Os casos vieram à tona após uma menina de 10 anos ser internada em estado grave apresentando sintomas de intoxicação, cicatrizes pelo corpo em formato de cruz e a cabeça raspada. As filhas da dona do salão religioso negaram que exista qualquer tipo de tortura no rituais realizados no local.
“Para evitar que elas tenham o mesmo destino da menina de 10 anos internada com intoxicação, autorizei o Conselho Tutelar a recolher qualquer criança desacompanhada que apareça com as mesmas características dessa vítima (cabelo raspado e cicatrizes em forma de cruz). Elas serão levadas para um abrigo, podendo os pais ter a suspensão da guarda ou até mesmo a destituição do poder familiar. O Conselho tem 24 horas para informar esses casos”, falou a juíza.
A menina está desde o dia 14 internada na UTI do Hospital de Urgência de Teresina (HUT). De acordo com o médico e diretor da unidade, Gilberto Albuquerquer, a criança já apresentou falência dos sistemas nervoso e renal. Médicos aguardam o laudo de exame pericial feito no líquido ingerido por ela para poder abrir protocolo e investigar a morte cerebral.
Os pais da vítima informaram à polícia que frequentavam um salão de umbanda em Timon, no Maranhão, para tratar a asma da filha e pagariam R$ 3 mil pelo tratamento. O caso está sendo investigado pela Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente.
Na avaliação da juíza Maria Luiza, nesse caso, as crianças estão em situação de risco, sendo obrigadas a tomarem chás ou bebidas tóxicas, e cortadas com lâminas ou objetos pontiagudos. “Não acredito que isso seja religião, mas sim crime de tortura", declarou a juíza.
Maria Luiza de Moura Melo disse também que irá comunicar o juiz da comarca de Timon para punir os responsáveis pelo salão de umbanda. Segundo ela, essas pessoas podem ser punidas por lesão corporal e crime de tortura. "Cabe ao Ministério Público tipificar a responsabilidade criminal e pedir o fechamento do local onde os rituais são feitos", falou.
O delegado geral de Polícia Civil do Piauí, Riedel Batista, reiterou que o caso da menina de 10 anos será acompanhado pela DPCA e os demais registros de tortura que tenham sido praticados no salão de umbanda em Timon serão investigados pela Polícia Civil do Maranhão.
A juíza lembrou ainda que há um ano apareceu outro caso parecido. Cerca de 30 crianças foram encontradas com os familiares reclusas em um cativeiro na capital. Elas seriam obrigadas a tomar uma sopa com veneno de rato.
Liquido que a criança pode ter ingerido (Foto: G1) |
Em entrevista ao G1 na semana passada, duas filhas da proprietária do salão de umbanda, onde os pais levavam a menina, negaram que as pessoas que frequentam o local sejam torturadas. Sem quererem se identificar, as mulheres afirmaram que os cortes nos praticantes de umbanda são superficiais e feitos com o consentimento dos responsáveis.
“São pequenos cortes feitos no corpo, como se fossem uma raladura qualquer. A retirada de sangue do corpo da pessoa simboliza a vida. Do mesmo modo, as pessoas têm a cabeça raspada para simbolizar o renascimento, já que todos os seres nascem sem cabelos. Não praticamos tortura com ninguém, até mesmo porque quem deita santo [termo usado para quem passa pelo ritual] sabe o que está sendo feito, no caso da criança os responsáveis aceitam tudo”, relatou uma das mulheres.
Uma das filhas da proprietária do salão de umbanda afirmou que ela e seus filhos passaram pelos procedimentos várias vezes e nunca sentiram nada e negou o uso de bebidas nos rituais. De acordo com a mulher, o ritual acontece da seguinte forma: a pessoa doente fica recolhida no quarto durante sete dias, recebendo apenas orações.
“Nós temos algumas cicatrizes pelo corpo, mas quase imperceptíveis e nunca sentimos efeitos colaterais. Sempre passamos por isso quando sentimos algum problema de saúde ou de qualquer outra coisa. Além disso, não existe o uso de garrafada [mistura de ervas] para os praticantes de umbanda”, afirmou a mulher.
Sem deixar fazer o registro de foto ou vídeo, as mulheres mostraram algumas marcas pelo corpo e apresentaram os filhos com a cabeça raspada, informando que eles passaram pelos mesmos rituais. “Eu tenho marcas nos braços e no pescoço e meus filhos também. Eles também tiveram as cabeças raspadas. Isso para nós é normal, como qualquer outra religião”, disse uma das filhas.
Mais denúncias
Além da menina de 10 anos internada, o Conselho Tutelar IV de Teresina investiga se outras três crianças também teriam sido torturadas em rituais de magia negra. Segundo a conselheira Socorro Arrais, elas apareceram na escola com os cabelos raspados e cicatrizes em forma de cruz feitas com lâminas.
"Já entregamos estas novas denúncias à DPCA [Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente] e encaminhamos o relatório com todos os casos à Justiça. Estamos tentando identificar os pais dessas crianças e evitar que elas tenham o mesmo destino da menina de 10 anos", comentou a conselheira.
Estado de saúde
Para o diretor técnico do Hospital de Urgência de Teresina (HUT), Fábio Marcos de Sousa, a substância tóxica ingerida pela menina determinou um quadro neurológico grave e irreversível, que teve caráter progressivo.
"Coletamos material no estômago da garota e a família também entregou um frasco de vidro contendo o líquido supostamente ingerido pela menina. Encaminhamos tudo para um laboratório em Goiás e a análise do teor da bebida deve sair em 10 dias. Somente com este laudo em mãos vamos abrir o protocolo para confirmar a morte encefálica da paciente", explicou o médico.
Local frequentado pela família de menina que tomou coquetel (Foto: Reprodução/TV Clube) |
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